Estórias e Causos do Ipu 9
Assombração na Estrada
Por Antônio Tarcízio Aragão (Boris 1940-2009)
03/03/2007- data da publicação
Quem de nós, aqui no Ipu, não conheceu (nos anos 1960/1990) o “Assis Doido?” Figura exótica, boêmio por excelência, tinha mais de malandro gozador do que de doido como sugere o apelido.
Biótipo moreno, magro, feio, meio corcunda, banguela (só possuía um ou dois sobreviventes da arcada dentária).
Costumava andar mais ou menos bem vestido, com camisa e sapatos sociais que ganhava de amigos, geralmente, usava a camisa aberta ao peito. Gostava mais de cachaça do que rato de queijo e tomava frequentes porres de acordar no hospital mais próximo.
Num desses pileques, Assis levou um tombo e foi parar na Santa Casa de Misericórdia de Sobral, onde fora internado em estado de coma, quase morto.
Alguns ipuenses já o consideravam no além mundo. Mas o Assis Doido, que de doido nada tinha, quando abriu os olhos numa enfermaria da Santa Casa, no silêncio da noite, com uma sede danada, já querendo tomar um trago, não vacilou: saiu de fininho, com aquela bata ridícula de hospital, procurando o caminho mais curto para chegar à rua.
Já na via pública, andando de um lado para o outro, quando finalmente deparou-se com um veículo conhecido, era uma ambulância de Ipu que trouxera um doente e estava embarcando um cadáver de volta pra terra de origem. Ele, malandro, ficou espiando de longe.
Enquanto o motorista abandonou a ambulância para comprar uma água mineral na lanchonete ao lado, Assis, sorrateiramente, entrou na traseira do carro, escondendo-se lá por dentro. O motorista, que era outra figura folclórica, tinha mais medo de alma do que o diabo da cruz. Quando conduzia cadáveres, corria mais do que piloto de fórmula 1.
Fixava o olhar na estrada sem nunca arriscar uma olhadinha de lado com medo do “passageiro”. Pegou a ambulância velha no rumo do Ipu e sentou-lhe o pé na tábua.
Estrada ruim, pedras e buracos pra todo lado. De repente, o carrinho velho, já cansado do vai e vem, começou a puxar para um lado e o medroso motorista insistia em aprumá-lo, já pensando em coisas do outro mundo. Finalmente notou que se tratava de um pneu furado. Aí foi o jeito parar.
Deixou a luz acesa, se benzeu e foi à luta. Pegou o macaco que já estava no assoalho da cabine e se dispôs a trocar o pneu, agachando-se para posicionar o macaco. Quando tentou se levantar para pegar o pneu de estepe, deparou-se com aquela figura deplorável, de bata curtíssima, mal cobrindo os “pissuídos”, de sapato e meias perguntando: “Quer ajuda?”
O coitado do motorista deu um berro, ciscou pra lá e pra cá, e, na escuridão da madrugada, fez carreira no mato, valendo-se de tudo que era santo. Enquanto isso, o Assis Doido, às rizadas, gritava meio roco: “sou eu besta, tu tará ficando doido macho!”, “Vamo simbora que eu quero é chegar em casa...” E quanto mais o Assis gritava mais o medroso quebrava garranchos de mato a dentro, desconjurando o indefeso defunto.
fonte: site da AFAI - ARTIGOS - ESTÓRIAS E CAUSOS p.02 | Acesso:0801/2010 | Formatação: Airton Soares
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