Estórias e Causos do Ipu
Damião Pezão
Por Antônio Tarcízio Aragão (Boris 1940-2009)
15/11/2006- data da publicação
Damião Pezão era irmão gêmeo do Cosme, filhos do velho Pezão, que morava no alto do cemitério novo aqui do Ipu, lá por detrás da cadeia.
Quando jovens, os gêmeos gostavam de tocar alguns instrumentos em locais públicos para arrecadar um dinheirinho que desse para comer e pra tomar umas “pingas”. Certa vez, lá pros lados do Canindé, não sei o que foi que eles aprontaram que se transformou em tragédia: o assassinato do irmão Cosme, que, segundo contam, enterraram-no vivo. A partir de então, Damião, traumatizado, entregou-se ao alcoolismo e não trabalhou nem cantou mais.
Vivia sujo e maltrapilho, mendigando esmolas de casa em casa, sempre acompanhado de sua cadelinha vira-lata “baleia”. Das esmolas que eram arrecadadas ele comia um pouco, alimentava a “baleia” e o resto trocava por cachaça. Saía de casa todos os dias de manhã cedo, com as vestes sujas do chão de barro vermelho batido, onde dormia, com um saco de pano vazio no ombro, acompanhado pela fiel cadela.
Essa rotina se repetia todos os dias. Deixava o alto do cemitério, caminhando descalço pela rodagem em direção à cidade, sóbrio, bem humorado, cumprimentando e falando com as pessoas como qualquer ser humano normal.
Aquela aparente felicidade aos poucos se transformava em simples quimera da realidade que o destino lhe negara. À medida que as horas iam passando Damião tomava um gole aqui outro acolá, para apagar as lembranças e as desilusões que atormentavam sua mente e seu coração, sedentos de lenitivos que o pobre ébrio só os encontrava na bebida. No final do dia, já embriagado, piscando os olhos e imitando o apito do trem (fuuuiiip), muitas vezes já tarde da noite, cambaleante, retornava pra casa com o saco ainda vazio e, sedado pela bebida, ao chão batido mais uma vez se recolhia sob o olhar compadecido de sua dileta companheira “Baleia”.
Damião era afilhado de minha mãe e por ela tinha uma certa veneração. Quando sóbrio, conversava com ela, contava-lhe de suas desventuras, falava do seu finado irmão e das travessuras da “baleia” etc.
Nossa casa, na esquina do Quadro da Igrejinha com a Trav. Coronel Porfírio, estava sempre com a porta da frente totalmente aberta e de lá se tinha uma boa visão do interior da casa, inclusive, da cozinha. Damião costumava sentar-se no chão encostado à porta, olhando pra dentro, esperando ver uma pessoa para pedir sua esmola. Num desses dias, Damião, parecendo já ter tomado umas “pilombetadas,” na posição de costume, olhando para dentro de casa, viu mamãe passando pra cozinha. Aí ele bradou: “beeença minha madrinha!...” minha mãezinha, amável e piedosa, respondeu: “Deus te abençoe Damião, te proteja e te afaste da cachaça. ”Damião, meio irônico, esboçando um discreto sorriso, murmurou e disse: “unrummm... minha madrinha, tá cum três dia qui eu num cago... tomém num como!!!...” Foi o suficiente para mamãe entender que ele queria mesmo era quebrar o jejum, e assim foi feita a sua vontade.
O legendário Damião Pezão, quando em vida, foi um ser humano, um semelhante nosso que, ao seu modo e a despeito do seu infortúnio, fez sua parte no mundo dos vivos como tantos outros. Não obstante o modo como viveu e sua aparente insignificância, Damião escreveu sua página na história do Ipu e o reconhecimento tem se expressado em forma de veneração de centenas de pessoas que, frequentemente, visitam seu mausoléu e ao seu espírito generoso atribuem graças e milagres alcançados.
fonte: site da AFAI - Artigos - Estórias e Causos - p. 2 - Acesso: 05/01/2010 | formatação: Airton Soares.
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