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quarta-feira, 9 de junho de 2010

O MERCADO CHICO MOURÃO É A MEMÓRIA DE TODOS NÓS

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CONCURSO HISTÓRICO

O MERCADO CHICO MOURÃO
É A MEMÓRIA DE TODOS NÓS



Após a publicação do primeiro edital para venda/alienação do Mercado Público de Ipu, publicado no Diário do Nordeste de 23 de março de 2010, a família Mourão apressou-se em solicitar à Câmara Municipal uma audiência pública e lançar, em âmbito nacional, o “Concurso Histórico Literário Mercado Público Francisco Mourão”.

Do referido concurso puderam participar historiadores, memorialistas, professores, estudantes, acadêmicos da AILCA, afiliados da AFAI e público em geral de qualquer município ou estado da federação, com a principal finalidade de constituir a história daquele único centro comercial com pareceres e elementos a partir da sua inauguração, até os dias de hoje, e com isso provar que ele é edificação que constitui o já pequeno e combalido Patrimônio Histórico do Ipu.

Hoje, a família Mourão regozija-se em apresentar o professor e historiador Jorge Luiz Ferreira Lima, ganhador do prêmio de R$ 1.000,00 (hum mil reais), pelo melhor trabalho apresentado. Para ele, o Mercado Público Chico Mourão, inaugurado em 1890 pelo então major Quixadá, como a Estação Ferroviária, a Igrejinha e o Paço Municipal, é “...um item de inegável valor no inventário dos lugares de memória da cidade do Ipu”. O professor Jorge Luiz finaliza o seu trabalho dizendo: “Conhecê-lo historicamente – já o conhecemos cotidianamente – é um passo fundamental para sua preservação e mesmo para impor respeito à sua memória que é, no fundo, a memória de todos nós.


MEMORIAL NO MERCADO


Na semana que passou, a Associação dos Filhos e Amigos de Ipu tomou uma posição digna de aplausos, se não for apenas mais um projeto. A AFAI vai sugerir um memorial no Mercado Público Chico Mourão, com os nomes de todos os conterrâneos e amigos que fizeram a história comercial do Ipu naquele centro, desde o seu nascedouro.

Então, o Mercado Público de Ipu, além da força da sua história comercial e do seu recente nome, ostentará, também, o poder da memória, junto aos seus familiares, de centenas de outros saudosos conterrâneos que por ele dignamente passaram, sempre lutando pelo sustento e pela educação dos que têm o Ipu como berço.

Parabéns, AFAI! É assim que se escreve a história de um povo – PRESERVANDO, CONSIDERANDO, APLAUDINDO!



CONCURSO HISTÓRICO LITERÁRIO


Voltando ao “Concurso Histórico Literário Mercado Público Francisco Mourão”, segue, abaixo, o trabalho do professor Jorge Luiz, acrescido dos subtítulos inseridos pelo editor.

Mercado Público de Ipu – Francisco da Silva Mourão:

Pequenos indícios históricos

Jorge Luiz Ferreira Lima

O propósito deste pequeno texto é trazer à tona algumas informações relativas ao Mercado Público de Ipu. A maioria das informações foi colhida junto ao jornal Correio do Norte, publicado em Ipu entre os anos de 1918 a 1924. Em sua redação, o Correio reuniu homens do quilate de Abílio Martins, Eusébio de Sousa, Thomaz Corrêa e Francisco das Chagas Pinto.

Aproximava-se o final do ano de 1884 quando a Vila do Ipu recebeu a visita ilustre do historiador Antônio Bezerra de Menezes. Bezerra havia recebido do Governo Provincial a missão de percorrer a zona norte do Ceará em “comissão”, ou seja, coletando dados de natureza econômica e demográfica. Com esta finalidade, chegou ao Ipu em 1884.

Como era de seu costume, Bezerra aproveitou sua estadia em Ipu para inquirir a respeito da história local. No dia seguinte ao de sua chegada, saiu em passeio pela vila ao lado de João Antônio Peres. No percurso, deparou-se com o mercado, descrevendo-o como “alguns quartos pequenos, estreitos, espalhados irregularmente num espaço quadrangular, onde, no entanto se faz animado comércio”. (BEZERRA, 1965: 201)

Ao contrário do que se poderia pensar de imediato, estes quartos estreitos distribuídos irregularmente ainda não faziam parte do que viria a ser o atual mercado. Prosseguindo a leitura do texto de Bezerra, surge esta informação: “... um pouco mais a leste, ficam os alicerces de outra casa de mercado, que concluída segundo a planta deve ser um edifício magnífico”. (Id. Ibidem, 201)

Percorrendo estes quartos pequenos e estreitos, Bezerra notou a imensa quantidade de algodão em caroço que chegava a este primitivo mercado, oriunda das plantações estabelecidas no sertão. Os fardos de algodão eram transportados pelo locomóvel (automóvel a vapor) do Sr. José Liberato de Carvalho, futuro sogro de Abílio Martins.

A partir das informações fornecidas por Antônio Bezerra, é possível perceber em 1884 a existência do projeto de construção do atual mercado, tendo, inclusive, já sido confeccionada a respectiva planta. Percebemos ainda que aquele novo mercado seria construído em terreno situado pouco mais a leste de onde se localizava aquele emaranhado desordenado de quartos estreitos visto por Bezerra. Conclui-se, portanto, que aquele mercado primitivo ficava nas imediações do Paço Municipal, talvez no lugar da atual Praça 26 de Agosto.


O PROJETO, A CONSTRUÇÃO


O projeto de construção do Mercado a que alude Antônio Bezerra, àquela altura, já não era recente. Sua construção deveria ter sido efetivada durante a seca de 1877/78 com recursos destinados pelo Governo Imperial ao socorro dos flagelados pela calamidade que assolou o Ceará naqueles anos. No entanto, em decorrência de uma grande rivalidade entre os chefes políticos locais, o dinheiro acabou não chegando à vila e a construção do mercado não aconteceu.

Diante de tal fato, Antônio Francisco de Paula Quixadá tomou a iniciativa de construir, por conta própria, dois quartos amplos, adequados à prática comercial e aos dentro dos padrões de higiene da época.



Em 1915, Eusébio de Sousa, juiz municipal do Ipu, publicou na Revista do Instituto do Ceará, um artigo chamado “Um pouco de história: chronica do Ipu”. Ali, Eusébio faz uma brevíssima referência ao mercado, limitando-se a incluí-lo entre os poucos prédios dignos de nota então existentes no centro da cidade. Percebemos, no entanto, que o mercado já havia sido edificado e se encontrava em funcionamento.

O jornal Correio do Norte, por sua vez, constantemente trazia em suas páginas notas e artigos relacionados ao Mercado Público. A denúncia com relação à incômoda presença das prostitutas e meninos de rua nas imediações ou no interior do Mercado é uma constante. As “mulheres de vida alegre” se posicionavam nas portas de acesso ao Mercado, exibindo roupas ousadas e propagando dizeres obscenos, o que representava um grande constrangimento para as senhoras e moças de família que ali se dirigiam com o intuito de fazer compras.


ESPAÇO PLURALIZADO


A leitura do jornal é instigante porque revela o Mercado Público como parte do cotidiano das várias classes sociais. Muitos viam o Mercado como espaço de luta pela sobrevivência, como espaço de trabalho. Entre eles, as próprias prostitutas, esperançosas de ali encontrar seus potenciais “clientes”. Também os meninos de rua, os mendigos e demais figuras oriundas de grupos socialmente desfavorecidos, procuravam o Mercado Público com o objetivo de angariar meios de garantir seu precário sustento.

Podemos perceber que o Mercado Público se tornou, ao longo do século XX, um espaço radicalmente pluralizado. A convivência entre diferentes grupos sociais ali se dava de forma muito próxima, gerando não poucos atritos.

Ainda a respeito das prostitutas, o jornal Correio do Norte, em edição do dia 6 de julho de 1922, informa a proibição, por parte do Delegado de Polícia, do tráfego das prostitutas nas imediações do Mercado e em seu interior, após as 09:00h. Sua entrada no Mercado só seria permitida até as nove da manhã e, estritamente, para que pudessem fazer suas compras e nada mais.

O Mercado Público, conforme o exemplo citado, se tornou espaço de disputa entre grupos sociais e, não raro, foi alvo de disciplinamento da parte das autoridades. O motivo para tanto está no fato, já constatado, de ser o Mercado um espaço de reunião destes diversos grupos sociais.

Ainda no início da década de 1920, surgem preocupações com relação à adequação do Mercado às normas de higiene e aos padrões estéticos da época. O Correio do Norte, em edição de 24 de março de 1921, traz um belíssimo artigo de fundo denunciando os problemas higiênicos, estéticos e estruturais do Mercado. No mesmo artigo, o autor se ressente do atraso de Ipu em relação à vizinha Vila de São Benedito, onde havia construído um mercado com estrutura de ferro montado. Em 1919, de acordo com o jornal A Ordem, a cidade de Sobral substituiu seu antigo Mercado Público por um novo, dotado de uma bela e sólida estrutura de aço sobre a qual se estendeu o teto de alumínio, tudo encomendado à Companhia de Fundição Nacional.

Em edição de 16 de junho de 1921, o Correio do Norte publica nota dirigida ao Prefeito Municipal e ao Delegado de Higiene solicitando medidas no sentido de conter o problema do mau cheiro que infectava a cidade, oriundo da poluição do Riacho Ipuçaba, no qual era despejada imensa quantidade de detritos e lixo de toda espécie. Um dos espaços mais afetados por este problema era o Mercado Público, onde se temia a proliferação de “miasmas deletérios”, trazendo risco à saúde de quem o frequentava ou se alimentava de gêneros ali comercializados.

O Mercado Público tem sido, ao longo de sua história, um espaço de disputas entre diversos grupos sociais. Mais uma vez o Correio do Norte nos serve de fonte ao mostrar, em sua edição de 05 de janeiro de 1922, a polêmica criada em torno das inúmeras bancas de jogos de azar estabelecidas em seus portões. O jornal já vinha convocando as autoridades a tomar providências no sentido de conter a jogatina, mas a inércia das mesmas denunciava o envolvimento de alguns “figurões” locais com os jogos, seja como praticantes ou como promoventes. O jornal insinua que havia gente lucrando com as bancas de jogo estabelecidas nos portões do Mercado.

Na edição de 06 de abril de 1922, o artigo de fundo do Correio do Norte traz elogios ao prédio do mercado, mas denuncia a pouca higiene no trato das carnes e sugere a demarcações de seções, separando as bancas de peixe das de frutas, carnes, etc. No fundo, a proposta era organizar e “higienizar” o Mercado. Mais uma vez, a justificativa se encontrava no risco de proliferação dos temidos miasmas.

No Orçamento da Câmara Municipal de Ipu para o segundo semestre do ano de 1923, publicado no Correio do Norte, edição de 1º de março daquele ano, encontramos entre as despesas previstas, uma rubrica destinando 15$000 (quinze mil réis) para “consertos diversos no Mercado”. Mas, o que significa esta quantia? Ora, no mesmo período, um operário alistado na construção da Estrada de Rodagem Ipu-São Benedito, sob o comando da IFOCS (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas) ganhava, a título de diária, a quantia de 1$500 (hum mil e quinhentos réis); um quilo de carne verde (fresca) custava 1$200 (hum mil e duzentos réis) e uma rapadura custava $400 (quatrocentos réis). Percebe-se que a quantia destinada aos reparos do Mercado não era tão significativa como se poderia esperar.

Pouco antes, em 10 de janeiro de 1923, o Correio do Norte havia denunciado a vende de peixes e carnes podres no Mercado.


LUGAR DE SOBREVIVÊNCIA


Certo descaso para com o Mercado Público, certa negligência para com sua estrutura não tem sido, como se pode perceber a partir dos exemplos citados, uma especificidade dos nossos dias. Ao longo de sua trajetória, a qual foi mostrada apenas em seus primeiros passos neste texto, o Mercado Público de Ipu tem sofrido com o descaso dos administradores locais.

O Mercado Público de Ipu constitui um espaço fundamental no que se refere à preservação da memória local, especialmente no que toca ao cotidiano da cidade. Não nos enganemos. A memória que constitui para uma cidade é fruto de lutas entre grupos que pretendem se tornar hegemônicas ou manter suas hegemonias. O Mercado Público, neste sentido, aparece como um espaço detentor de experiências sociais perigosamente plurais, nunca tendo-se tornado um espaço exclusivo das elites. No Mercado, elites e povo eram forçados a uma aproximação física recheada de tensões. Estas tensões condicionam a construção da memória local de forma a prover a exclusão de espaços plurais, populares.

Resgatar a trajetória do Mercado Público de Ipu, agora oficialmente batizado de Mercado Público Francisco da Silva Mourão, é um passo fundamental para a remissão, no plano da memória, de um espaço cuja importância para diversas camadas sociais é impossível de ser medida. Ali, muitas pessoas encontraram seu lugar de luta pela sobrevivência, embora, muitas vezes tendo de lutar para dele não serem alijadas.

Tanto quanto a Estação Ferroviária, a Igrejinha de Nossa Senhora do Desterro ou o Paço Municipal, o Mercado Público constitui um item de inegável valor no inventário dos lugares de memória da cidade do Ipu. Conhecê-lo historicamente – já o conhecemos cotidianamente – é um passo fundamental para sua preservação e mesmo para impor respeito à sua memória que é, no fundo, a memória de todos nós.


Editor:
jpMourão
(João Pereira Mourão)
Informação, opinião, instigação, apoio, combate.

Arte da placa: Chico Parnaibano

Foto do mercado:
arquivo do Ricardo Aragão

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