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sábado, 27 de março de 2010

Crônica sobre Aderson Magalhães

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Enviado por J.A. Gueiros -
20.3.2010
Um golpe de mestre

Fragmentos de um livro VI

Fonte: AQUI

Além dos dois Carlos, o Lacerda e o Drummond, o Correio da Manhã tinha um plantel de ases, sob a regência do velho Costa Rego, editor chefe que, naqueles tempos chamava-se apenas de secretário.

O revisor era – pasmem! – ninguém menos que o próprio Graciliano Ramos, (autor de Vidas Secas) acertando o português de muita gente boa no jornal. Fiquei amigo de um dos seus grandes cavalheiros, Antônio Callado, com pinta de lorde inglês, tanto que os mais íntimos o chamavam de Sir Anthony Callado.

E convivi com Niomar Muniz Sodré, mulher de Paulo Bittencourt, o patrão, ela e ele amigos do meu pai, Nehemias Gueiros. Mais tarde Niomar se tornaria íntima de minha mulher, Carmen, a quem nomeou conselheira do Museu de Arte Moderna. Ela ficou sendo nossa segunda irmã até o fim de seus dias.

Naqueles anos, o cearense Aderson Magalhães, que me tinha sido apresentado pelo conterrâneo Nertan Macedo, escrevia uma coluna sob o pseudônimo de All Right. Fizemos boa camaradagem. Ele era um personagem insólito dentro daquele quadro austero do jornal.

Nordestino de fala mansa mas inteiramente carioca nos costumes, boêmio sofisticado, gostava de tomar champagne e contar casos. O patrão, Paulo Bittencourt, era louco por ele e o via como um mosqueteiro a serviço do rei. Ninguém resistia ao charme de Aderson, entre malicioso e simplório.

O Correio ficava na avenida Gomes Freyre, não longe dos arcos da Lapa, onde até hoje jaz seu esqueleto transformado em garagem de estacionamento. Fantasma de um tempo glorioso do jornalismo ainda não atacado pela circulation mania que Mort Rosenblum descreveu como um processo escravizador dos meios de comunicação de massa sempre em busca de maiores índices de audiência.

Hoje, com a supremacia da Internet e o perigo de se tornarem obsoletos os jornais impressos em papel, as diretrizes talvez fossem outras mas até a década de 1980 os grandes periódicos influenciavam, de fato, a opinião pública.

Havia grande orgulho profissional e certo heroísmo no trabalho dos jornalistas. Ganhava-se uma miséria. O pessoal da redação do Correio, sempre com pouco dinheiro, atravessava a Gomes Freyre para ir tomar um café no Hotel Marialva, quase defronte, e discutir política ou futebol. Havia a eterna ansiedade e a constante manobra para conseguir aumentos. O patrão, sempre altivo no seu papel de missionário, não se comovia facilmente.

Só o cearense Aderson, com sua inventiva aperfeiçoada no polígono das secas, conseguia imaginar planos para amolecer o coração do chefe. Certa feita, houve uma crise. O pessoal estava mesmo bradando por um reforço no orçamento. Era véspera do aniversário de Paulo Bittencourt e o ardiloso All Right viu ali a grande oportunidade de armar seu lance. Lembrou-se de festejar a data oferecendo ao chefe um almoço com discurso, no Marialva.

O detalhe maquiavélico estaria na saudação. Convidariam Graciliano Ramos para fazê-la. Todos sabiam que o velho Graça não era desses arroubos, tinha horror a exibições, vivia quieto e mudo na sua mesa de trabalho, homem seco e retraído que sempre fora.

Mas Paulo Bittencourt o adorava e nutria por ele o mais profundo respeito, de sorte que um discurso pronunciado pelo autor de Vidas Secas – calculava Aderson – seria tiro e queda, o patrão se enternecia e o aumento vinha na certa.


(continua na sexta feira da próxima semana)

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