09/03/2009
Nome:
09/03/2009
Nome: HENRIQUE AUGUSTO PEREIRA PONTES - GUTO PONTES
E-mail: guto@secrel.com.br
Assunto: Carnaval, réveillon versus merenda, creche...
Carnaval, réveillon versus merenda, creche – será que é contraditório?
Este aspecto do que é essencial ou periférico no orçamento do poder público é muito polêmico, sem dúvida!
Penso que somente observando o TODO é que poderemos perceber o CONJUNTO DA OBRA que a sociedade(com todos seus atores) está construindo!
Encontrei esta entrevista do Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura, sobre uma polêmica declaração do Prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro, PMDB.
Vejamos o que GG diz na entrevista e tiremos nossas conclusões!
Terra Magazine - Como você tem visto as transformações do Carnaval de Salvador?
Gilberto Gil - É uma festa muito grande, que extrapola o campo da diversão, do entretenimento. Tem uma dimensão econômica enorme. Uma dimensão de trabalho, de ocupação, de organização, de normatização dos fluxos sociais. Aproximação de modos de vida, de grupos, de classes sociais que, no resto do ano, não se aproximam. Há mecanismos de aproximação clássicos, que vão dar nas mesmas coisas. Quer dizer, pessoas que se relacionam nos espaços públicos das cidades, nos trabalhos convencionais, nas situações convencionais de trabalho. Mas essa situação da festa que joga, de repente, pelo menos um terço de uma cidade de quase três milhões de habitantes... Um terço vai pras ruas e mais um outro terço de gente vem de fora, do Brasil, do mundo, durante uma semana. Isso cria um mundo inteiro de relações novas, de oportunidades novas, de diálogo, de construção de parcerias pro futuro. Então, é uma festa com uma dimensão política profunda nesse sentido, uma dimensão econômica irrecusável.
O Carnaval tem uma dimensão social fantástica. No sentido sócio-antropológico, é uma coisa incrível, um momento de novas interações, de quebra de parâmetros de comportamento, de respeito, de territorialidade de classes, etc. etc. etc. Essas coisas todas o Carnaval passa por cima. E quando a cidade sai do Carnaval, ela sai com uma outra proposta de vida, ainda que inconsciente. As sedimentações no campo consciente vão se dando aos poucos. A cada quatro, cinco anos, você percebe uma mudança. Mas é efetiva a carga de transformação de uma festa dessa. Ela é um operador social, humano, de alta potência. Com um poder extraordinário no campo político, econômico, simbólico, cultural, sócio-antropológico. É uma coisa que assusta. Assusta porque o modelo de civilização ao qual nós aderimos, ao qual todo o mundo aderiu, é um modelo que quer manter uma racionalidade outra...
O Carnaval transformou o Estado?
É! Sem dúvida! Aí quando o prefeito (de Salvador, João Henrique Carneiro) diz: "Ah, mas a gente tá tirando o dinheiro da merenda pra isso e pra aquilo..." Não procede essa visão. Não tá tirando dinheiro da merenda. Tá investindo...
Na merenda?
Na merenda... (risos) Claro, como está investindo na saúde pública. Há exemplos de melhoria de comportamento da comunidade em relação à questão sanitária, o Carnaval tem dado a possibilidade de aparecer. Esse exercício que o Carnaval possibilita ser feito é uma coisa importantíssima. Na área da saúde, educação... O que se educa durante um Carnaval! Estão pensando que educação é só escola? Não é. As pessoas se educam muitíssimo. Na questão do trato, do relacionamento, dos fluxos humanos, do respeito ao estrangeiro, ao turista... A cidade é invadida, de uma certa forma. A inteligência governamental, a inteligência pública que não pensar nesses termos, ultimamente, tá defasada, tá pensando atrasado, porque não é assim.
Porque nós estamos vivendo a fase da biopolítica, do biopoder. Os corpos estão envolvidos. A dimensão individual física, do empenho absoluto dos indíviduos naquilo com seus corpos, suas almas, sua vida espiritual, sua cultura, etc., é um empenho total. O Estado é isso, é a representação ampla desse conjunto. Um conjunto que é velozmente transitório, transita por várias conformações. A sociedade não é uma coisa só o tempo todo, nem nas suas partes, nem no seu todo. As suas partes estão submetidas a modificações muito grandes. Os setores reprimidos da sociedade são assim, mas também se manifestam com capacidade de protagonismo em muitos outros setores. Os setores dirigentes, as classes dirigentes, têm que ceder espaço a todo instante.
No Carnaval, a periferia se torna centro e o centro, periferia?
Exatamente. Exatamente. É tudo o que a ciência, a intuição e o conhecimento vêm interpretando. Essas formações e neoformações da sociedade estão sendo interpretadas desde o final da Guerra, desde que chegaram as novas formas de interpretação, seja com a psicanálise, seja com as culturas alternativas, seja com a nova ciência, seja com a neurociência, seja com a física e a química, as grandes transformações que o mundo tá vivendo. E todas as transformações que essas interpretações têm possibilitado a esses agentes interpretadores. Se a gestão pública, o governo, o representante do poder público não compreende isso, é um atraso.
Houve a era dos clubes fechados.
Oxente! Em todo lugar. Onde era que você tinha a quantidade incrível de mulheres na rua? Apenas pra você pegar a questão feminista. Onde você tinha a quantidade de adolescentes e crianças com seus pais? Mas há quem diga: "tem criança abandonada, que vai pras ruas...". Mas com a monitoração da sociedade, dos pais, das famílias, dos órgãos públicos, com a vigilância normal, com o olho social sobre aquilo. Você tem uma quantidade enorme de meninos jovens. Está democratizado nesse sentido. Então, tem todo um universo infanto-juvenil que acessou, está nas ruas, vai e brinca, pula e grita, dança e toca... Toma sorvete, refrigerante, que isso, aquilo e aquilo outro.
E você vem sempre alegar: "mas tem os desvios..." Sempre tem. Não estou falando de sociedade de situações ideais, onde tudo está perfeito. Tô falando de processos onde as dificuldades também caminham juntas. Se você vai pra questão da renda, setores enormes de baixa renda foram incluídos, vem pra festa, estão nas ruas, cantam, defendem, escolhem aquela música do Psirico, aquela outra do (Carlinhos) Brown... O que há vinte ou trinta anos atrás era mais democrático? Como era mais democrático? Primeiro, se o próprio acesso ao conjunto e à produção carnavalesca, aos vários produtos criados pelo Carnaval, era um acesso muito menor? Não tinha tanto rádio como se tem hoje, não tinha tanto trio elétrico, tanta proliferação de conjuntos de bairros...
Ao falar da retirada do dinheiro da merenda, o subtexto do prefeito de Salvador é de que se gasta muito dinheiro numa festa que, do ponto de vista dele e de outras pessoas, não seria essencial.
Mas eu acho que é um equívoco. A festa é parte da merenda, e parte importante, eu só não diria a parte mais importante da merenda. É parte da alimentação básica.
Você se refere ao mercado informal?
E do ponto de vista simbólico, do ponto de vista da alma, da formação desse povo, do pão espiritual. O alimento e a saúde nesse sentido. Não pode ficar vendo o mundo de hoje através das lentes do mundo de ontem. Não é mais.
Existe uma retroalimentação?
O tempo todo. E uma interpenetração de territórios. Evidentemente, alguém há de dizer: "Mas essa é uma leitura generosa!". É... Não vou fazer a leitura amesquinhada. Não interessa. Posso até ter elementos pra sustentar uma leitura mesquinha: "o apartheid continua, a separação de território continua, a exclusão classista continua...". Claro, residualmente tudo continua! Porque não é uma coisa ideal. Vamos observar os processos. Vamos observar o sentido tendencial, pra onde as coisas estão caminhando. Qual é a melhor incidência de elementos determinantes dessa vetorialização? Pra onde é que aponta o vetor? O vetor não aponta para menos democracia, pelo contrário: aponta pra mais democracia. Não vejo de outra forma.
Terra Magazine.
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