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sábado, 15 de maio de 2010

Archimedes Memória, o último dos Ecléticos - resumo do primeiro capítulo

Créditos: Ignez Ferraz
Meu avô Archimedes

Posted at 22/04/09 by Pekito

Jockey Club - Foto by Dan and Ana


Nota Ignez: Este post é um resumo do primeiro capítulo do livro ”Archimedes Memoria, o último dos Clássicos”, sobre a vida e a obra do importante arquiteto cearense, que se destacou no Rio de Janeiro, com obras do porte das sedes do Jockey Club e do Clube do Botafogo de Futebol e Regatas, Igreja de Santa Teresinha e tantos outros palácios e importantes edificações. Seu nome honra o auditório da Universidade Federal de Arquitetura do RJ, onde foi professor catedrático por longos anos, tendo tido Lucio Costa como estagiário.
O autor do livro, seu neto e também arquiteto Péricles Memoria Filho (Pekito), assim o resume:


Este livro pretende pagar o devido tributo a um dos maiores arquitetos e educadores do Brasil, porque da profundidade de sua obra só soube quando da abertura e pesquisa de seus arquivos, já no século XXI, e só foi possível sua feitura por obra do Professor Dr. Thales Memoria que ousou e logrou mantê-los sob sua guarda e às suas expensas, há mais de meio século!



Archimedes Memoria aos vinte e cinco anos de idade


- Pekito, vovô foi p’ro Céu!
Foi assim que, naqueles 20 de setembro de 1960, meu pai comunicou o falecimento de meu avô, colocando-me em seu colo, olhos marejados de lágrimas, na grande casa da família, na Rua Caning, nº 26 – Ipanema – Rio de Janeiro. Eu tinha nove anos.


Archimedes Memoria era um homem grande. Enorme. Um atleta perfeito. Não fumava, não bebia; água, nunca gelada e jamais durante as refeições, só da moringa. Ginástica, todos os dias em sua casa, antes do café da manhã, com barras e pesos. Foi remador do Botafogo, lançador de dardo olímpico no Fluminense e praticante de medicine ball na praia de Ipanema.


Toda segunda-feira eu corria até sua imensa prancheta, localizada em um quarto do segundo andar da “casa velha”, e lhe pedia dois cruzeiros – pra comprar sorvete na carrocinha, na esquina da Rua Rainha Elizabeth, limite máximo de meu perímetro autorizado. Não só eu, mas os outros netos – minha irmã Tânia e Eneida e Cynthia, minhas primas, faziam igual.



Pátio da “casa velha” na R. Caning, onde moro atualmente


Tinha mão firme no desenho. Seus netos, ainda pequenos, ganhavam sempre papel e lápis, para que, desde cedo, começassem a treinar sob sua orientação.


Já minha avó Hedwiges - Nêne para os seus -, era muito mais severa, filha de alemães. Se descuidássemos, éramos ameaçados de ir trancados para “o quarto escuro” - um cômodo sob a grande escadaria da “casa velha”. Isso quando não vinha atrás de mim com uma “vara de marmelo”, ao descobrir o último modelo de atiradeira-estilingue, feito com câmara de ar de bicicleta, forquilha de galhos de goiabeira, de perfeita modelagem, e couro retirado do tamanco roubado do jardineiro, obra de arte que me tomava duas semanas de execução.


Meu Pai, Péricles Memória - o “Peggy” - era o filho mais velho. Meu Tio Thales, o “Date”, e minha Tia Sigrid, a “Ótis”, gêmeos, vinham depois. Havia também meu Tio Oscar, o Óscar (dono de um Land Rover lindíssimo), a Tia Ema (magérrima, poliglota e bondosa). Todos ipanemenses de primeira linha e... vizinhos. Minha vida girava ali.
E tinha coisa melhor? Nas festas de Natal, o melhor da comida alemã. Pernil com farofa, bolinhos de batata recheados, “lieberwurst” (patê de fígado de ganso), sopa fria.


A garagem da “casa velha” era local em que não íamos, porque estava cheia de “coisas”. Ao contrário, o ateliê, nos fundos, oferecia a chance de martelarmos os dedos, tamanha era a quantidade de ferramentas disponíveis, pregos e parafusos, e uma mesa de carpintaria tão grande, que não podia imaginar alguma de maior tamanho. Pelo que me lembro todos os netos, pelo menos uma vez, ali machucaram seus dedos ou serraram suas mãos. Para Archimedes, a marcenaria e carpintaria eram como vícios bem cuidados.


Ao fechar seu escritório, na década de 50, Vovô - que não jogava nada fora -, trouxe todo seu arquivo para a casa e deixou-o na garagem: plantas, estudos, desenhos, correspondência, telegramas, livros, revistas, apostilas, mapas, bilhetes e “torpedos”, jornais e revistas técnicas, diplomas e condecorações. Guardou-o e não mais o tocou.


O tempo passou. Cheguei à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão, em 1969.



Este sou eu, com 18 anos, feliz por ter entrado na Faculdade de Arquitetura, seguindo os passos da família


Que coisa enorme! Que Campus! A Aula Magna foi a primeira palestra a que assisti. Prof. Paulo Santos, discursava sobre Archimedes Memoria. Que constrangimento! E no auditório Archimedes Memoria! Meus colegas de curso pré-vestibular me olhavam, e eu sentia, desde já, a pressão que minha irmã dizia existir nos netos, filhos e sobrinhos da família Memoria.


A arquitetura e a construção estão em nosso sangue, desde que nascemos. Quantas vezes, ao visitar meu tio Date sempre aos domingos, eu o encontrava as voltas com seus slides sobre História da Arquitetura. De roupão de banho, cachimbo e música clássica na vitrola, tentando explicar para um garoto da época dos “Beatles” o que era um “allegro” na Sonata de Beethoven.


Professor Carlos Del Negro urrava: “vão para o barro!”, Lucas Mayhofer - “distribuição grátis de coca-cola” - em Arquitetura Analítica, Thompson Motta em Acústica, Paulo Pires e Renato Sá em Planejamento, Houaiss em Cálculo - “carteira de identidade em cima da mesa”, Ricardo Menescal em Desenho a mão livre, Joca Serran em Urbanismo - “Perdidos no espaço” - foram mestres capazes de ‘enfiar’ o básico em nossas cabeças.


Mas afinal, o que é o Belo? - acordava eu, me questionando, durante algumas madrugadas. E quantas madrugadas em claro! Café e refrigerante Cola ao fim da sexta noite sem dormir. É dura a vida de estudante de arquitetura. Arquitetura Contemporânea, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Reidy, e outros. E a Cadeira de História da Arquitetura no Brasil chegando só até o colonial brasileiro. Só até o Colonial? E a história do Ecletismo clássico, do Neocolonial e demais estilos na arquitetura brasileira. Não existiram?



Estudo para o prédio do Palácio do Comércio


P.S. Ignez: Para aqueles que se interessarem sobre a saga deste arquiteto que chegou a dirigir o maior escritório da cidade, fascinado pela Grécia a ponto de produzir festas onde seus colaboradores deveriam se vestir à caráter e , pintor perfeccionista, não deixem de adquirir o livro, que é apenas o inicio de outros diversos eventos que pretendem resgatar sua...memória, é claro!.



Caricatura do atista plástico Almeida Júnior, por Archimedes

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