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terça-feira, 9 de março de 2010

Cajueiros - Francisco das Chagas Soares

Cajueiros

A meu pai Antônio Soares de Oliveira
Francisco das Chagas Soares

Velha casa de alpendre !
- Meu berço agreste -,
entre as ramas de escuso sítio,
ao pé da serra ibiapaba.

Pelos olhos da saudade,
revejo a minha infância.
era assim:

O alpendre cheio de arreios, brides, cabrestos, esporas,
selas, cangalhas, cambitos, jacás, surrões.
Duas estradas – uma à frente, outra ao oitão -,
onde, em raro, algum transeunte passava, a pé ou a cavalo,
dando “bom dia”, “boa tarde”, e até “ boa noite”.
Ou, à porta:
“ Ôi de casa!”
Às vezes, um grupo de comboieiros,
estalando suas macacas,
tangendo jumentos e burros carregados,
chocalhos a tintinar,
em poeirento tropel.

Ao nascente,
sobre o verde cerrado,
- linda manhã -, ao trinar dos passarinhos,
o sol despontando entre barras e castelos de ouro.

Hora do café.
O adjunto de rudes moradores:
Vestes grosseiras, rôtas chapéus de palha,
alpercatas de rabicho,
munidos de foices e enxadas,
dispostos à dura lida.

Ao lado a porteira e o gado no curral.
As veredas dos roçados,
e uma para a cacimba da grota.

Que fartura!
Muito leite, muita gordura de porco e chouriço.
O celeiro abarrotado de milho, feijão, rapadura e carne seca.
Relembro as festas.
Em janeiro, o “Reisado”.
- Os “Caretas”, o “Boi”, a “Burrinha”, a “Borboleta”...
Tudo cantado e sapateado ao som da harmônica de oito baixos.

“Ôi de casa, capitão!
Abra a porta, acenda a luz.
Somos Reis do Oriente,
Indo em busca de Jesus.

“Vadeia, meu boi, vadeia.
Vadeia neste salão,
Que eu quero mostrar teu ferro,
Meu garrote Coração.

“A Burrinha do meu pai
come palha de arroz.
Arrenego desta burra,
Qui num póde cum nóis dois!

“Borboleta miudinha,
saia fora do rosal:
venha cantar doce hino,
que hoje é Noite de Natal.”

Relembro os sambas.
A extensa latada de estacas, varas e folhas verdes.
O chão de barro batido.
Toscos e fumegantes candeeiros.
A harmônica e a pancadaria tocando pela noite.
Animados caboclos e caboclas a dançar
Até o sol raiar.

Relembro os cantadores.
À noite, sempre dois, sentados juntos no salão,
rasgueando as violas,
Improvisando repentes,
desafios,
martelos
e romances – “ O Pavão Misterioso”, “A Princesa da Pedra Fina”...

Eu mesmo tinha uma pequena viola,
encardida, desprezada,
“guardada” (veja só!) debaixo da cama!
Quem me dera aquele tempo,
De tão despercebida felicidade!
De tanta ingenuidade
Que eu pensava que escola
Era o mesmo que espora!

afai-artigo-poesia- p13

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