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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

História do Ipu

Data: 12/03/2008
Nome: Vitorino
E-mail: avff@sobral.org
Assunto: História do Ipu

Creio ser necessário, de início, explicitar a história dessa minha intervenção aqui para comentar um texto escrito (há tanto tempo) pelo Sr. Olívio Martins de Sousa Torres. Só o li por intermédio do Sr. JP Mourão, de quem recebo freqüentemente emails. Chamou-me a atenção o título de uma dessas “correspondências” (“História de Ipu”) e que fazia alusão ao escrito, citado acima, de Olívio Martins. Deste, o que aguçou minha atenção foi o comentário acerca da necessidade de se escrever a “História de Ipu” e buscar, nos “mais velhos” (alguns) o conhecimento do passado, porque detentores da memória.
Não quero discutir aqui sobre a importância de, não apenas escrever, reescrever e publicar pesquisas que tomem como objeto de estudo a “História e Ipu”, e ensiná-la em nossas escolas aos alunos. Isso certamente poderia não passar de uma tautologia para muitas pessoas. Além de enveredar por uma discussão acerca da identidade, um tanto quanto complexa.
O que quero comentar, em parte, é que aqui em Ipu já temos uma boa quantidade de pesquisas concluídas e outras em fase de conclusão que esclarece muito sobre a nossa história e dizer, sem exagero, que já possuímos material suficiente para a produção/confecção de um esboço de livro didático sobre a História de Ipu. Esse conhecimento, em boa parte, fica a mercê (para plagiar Karl Marx) das críticas roedoras de ratos, baratas e traças. O que falta, sem dúvida, são as condições materiais para a publicação de tais trabalhos.

É claro que boa parte deles (os trabalhos) precisaria de um pouco mais de tempo de pesquisa e de financiamento para que tomasse o formato para o consumo do leitor “comum” (não acadêmico, aluno do ensino básico etc). Uma pesquisa é, antes de tudo, muito cara. Eu, por exemplo, devo passar os próximos 10 anos pagando dívidas de uma mera pesquisa que está em fase de conclusão e que completará cerca de 5 anos desde que pensei fazê-la e a levei a cabo (e eu que nutria a ilusão de publicá-la?!!). A pesquisa deixou-me bem mais pobre (financeiramente), calvo (quase careca), e fez discórdia na família, pois foi uma concorrente muito forte com minha esposa (falta de tempo para ambas). No final, ao menos, restará o reconhecimento (um diploma, CAPITAL cultural), que, segundo Bourdieu, pode ser negociado no mercado.

Uma pesquisa sempre parte de uma questão a ser respondida. Uma das coisas que nos últimos anos mais tem me intrigado (o que me levou a desenvolver pesquisas), e que desde a minha infância é recorrente, é o fato de o ipuense ter construído um discurso (oral, escrito) de que a cidade de Ipu é um “pedacinho do céu”, um “celeiro de artistas”, de “intelectuais”, de “grandes poetas”, uma “terra da promissão”, um “paraíso perdido nos prados dos sertões”, onde nasceu a Iracema. Também que a cidade de Ipu sempre foi progressista. Esse discurso é repetido em quase todos os eventos que assisto (sobretudo cívicos), nas escolas, em livros, jornais etc. Está ele em todo lugar. O discurso “científico”, político, pedagógico e de senso comum teima em reafirmá-lo.

Não é raro, em conversas informais, sempre alguém exaltar a nossa terra enumerando os “filhos ilustres”, ou “vultos ilustres” (odeio essas expressões) de nossa terra tais como: Joana Paula Mimosa (“taí a nossa colonizadora, de sangue nobre”); Delmiro Gouvêa (“grande empreendedor, industrial que levou o nome de Ipu para o mundo”); Padre Corrêa (“grande vigário responsável pela pacificação de Ipu ...”), etc.

O interessante é que tal discurso é histórico (ele é capitado no intertexto, na sua historicidade). Ele nasceu em “fin de siècle” (final do XIX e início do XX) e tem o pé na Europa (influência), sobretudo Paris (“capital do século XIX”), modelo de “civilisation moderne” para o mundo naquele momento. Um grupo de pessoas ligado diretamente ao poder criou um discurso de que o progresso estava chegando à cidade, de que o Ipu estava de civilizando, se modernizando. Ser civilizado era parecer com o Europeu (com a secular civilização Européia), com a capital federal (por tabela), o Rio de Janeiro que vivia uma verdadeira cirurgia urbana (reforma urbana) com o prefeito Pereira Passos e com o apoio de Rodrigues Alves (presidente) para transformá-la em vitrine do progresso, e tendo como modelo as reformas do Barão de Haussmann (Paris). Não obstante, boa parte daqueles homens conseguiu seus diplomas de curso superior lá, nos primórdios do século XX, e ao retornarem à sua cidade, quiseram viver aqui os ares “civilizatórios” e “moderno” da capital federal.

Daí buscaram fundar clubes para as sociabilidades dos mais abastados seguindo os “preceitos da pragmática moderna” (Associação 7 de Setembro, mais tarde Grêmio Recreativo - 1924), instituições literárias (Gabinete de Leitura por exemplo), musicais (Centro Artístico e Euterpe Ipuense), Teatro, Cine, praças com jardins bem cuidados e se empenharam na tarefa de querer “remodelar” a área central da cidade, alargando as ruas em linha reta, cruzadas em ângulos de 90 graus. Os transeuntes e animais soltos pelas vias centrais foram alvos de controle, assim como os jogos de azar, a prostituição (o que fez surgir o cabaré, distante dos olhos dos “incomodados”) e os namoros indecentes que escandalizavam o “escol social”, e a moral recatada das “famílias ilustres”.

Como esse grupo de homens possuía o controle do poder político, tinha também o poder de legar para a posteridade uma memória que foi objeto de construção, qual seja: aquela de que se a cidade de Ipu atingiu o progresso (material e espiritual) isso foi obra deles (na medida em que “empreenderam” obras públicas e “fundaram” estabelecimentos literários e de ensino). Seus nomes constam nos livros escritos sobre a cidade, estão estampados nos muros de cada esquina, na nomenclatura dos logradouros, de algumas escolas e na memória de seus parentes e de boa parte da população.

A partir dali a cidade de Ipu passou a “ser vista” (no discurso) como “grandiosa”, “cidade intelectual”, de “homens progressistas”, do “espaço do artista” etc.
De lá para cá, o ipuense teima em reafirmar que a cidade de Ipu é um verdadeiro paraíso, celeiro de artistas, intelectuais, da cultura. E estão certos? Claro que estão, pois as representações construídas sobre a realidade são mais reais do que o próprio “real concreto”. Na verdade elas (as representações) se colocam no lugar dela (a realidade).

Para quem assim acredita, a "verdade" é evidente.

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