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sexta-feira, 19 de junho de 2009

AFAILCA – Crônicas - 11

Data: 16/06/2009
Nome: JOSÉ AIRTON PEREIRA SOARES
E-mail: airton.soares.as@gmail.com
Assunto: OI O MI...TÁ VERDIN.. mulher bonita não paga, mas também não leva....Ô ESPIGONA! .... OLHA A MANDIOCA!

seg 16/06/2009

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AS FEIRAS DO IPU (Boris) -2ª parte
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Por Antônio Tarcízio Aragão
Boris/Ipu

Trecho de crônica publicada no "Jornal dos Tabajaras", edição de maio de 1998.

Ir às feiras no Ipu, era realmente um dos melhores entretenimentos para os que moravam na roça, sem nenhum conforto.

O homem do campo, sem distinção de classe social ou econômica, fazia daquela devoção o seu principal lazer e a única forma, talvez, de se comunicar com pessoas de outras localidades, não deixando de ser a principal fonte de informação do que acontecia pelo mundo afora.

Os preparativos para viagem à feira geralmente começavam com razoável antecedência. Como aqui no Ipu as feiras eram aos sábados, na véspera desses dias, na sexta-feira, sertanejos e serranos embalavam os produtos que iam levar para vender ou trocar na feira, em vasilhames os mais diversos. O mais comum era o surrão (saco feito de palha de carnaúba) no qual se conduzia a farinha e a goma de mandioca, a rapadura em cargas de cem unidades, o milho e o feijão embalados em cargas de ½ alqueire para levar em jumentos e de um alqueire para levar em burros e mulas que eram animais mais possantes.

No final da tarde das sextas-feiras os animais escalados para levar as cargas eram presos num local para fácil captura na escuridão da madrugada seguinte. Depois eram banhados e recebiam uma generosa janta de milho para criar sustância.

Usavam-se, também, sacos e malas de couros, estas mais usadas para levar rolos de fumo em corda, que eram expostos e vendidos no varejo em pedaços medidos numa régua de madeira chamada “vara” e quem determinava o tamanho da rola era o freguês, uma vara de fumo, meia vara, um quarto etc.

Nas primeiras horas da madrugada dos sábados, quando os galos cantavam, os caboclos metiam os pés das redes, se benziam e começava o rojão, passava a mão nos cabrestos dos animais e iam pegá-los, chamando pelos seus apelidos: “relógio”, “bederode”, “macaco”, “azulão”, “morena”, “marreca” e assim ia puxando até o alpendre da casa para encilhar os arreios dos animais cargueiros e os de montaria. Enquanto isso o barulho do entra e sai em casa de madrugada não deixava mais ninguém dormir, até quem não ia à feira tinha que se levantar para ajudar os demais, num ritual de rotinas invariáveis.

Cuidar da aparência pessoal também fazia parte do cerimonial. A melhor roupa estava ali engomadinha, as botas, alpercatas ou chinelões de couro, o melhor chapéu e o cheiroso extrato para servir de atrativo. Tudo pronto, o “cabra” batia a poeira do chapéu, ajeitava as abas e depois de fazer o sinal da cruz, posicionava-o na cabeça para lhe proteger do sereno da madrugada na ida e do sol escaldante na viagem de volta pra casa. Tudo rigorosamente pronto, cargas conferidas, animais enfileirados, esporas abotoadas, chicote no braço, colocava a carona, o coxim e os alforjes na montaria e pé na estrada.

Quem não tinha comboio nem montaria, levava sua carga no ombro ou na cabeça e ia mesmo a pé, feliz da vida conversando com os companheiros, molhando os pés nos riachos ou sujando na poeira da estrada, escutando a passarada que anunciava o amanhecer de mais um dia de feira.

Na cidade, antes do dia clarear já se ouvia o barulho característico dos dias de sábado.

A algazarra dos feirantes entrando na cidade por todos os becos aumentava progressivamente a medida em que se aproximava do centro da cidade, local da feira. Ali, já com os primeiros raios de sol, o ruge-ruge era intenso.

As frondosas mongubeiras da cidade amanheciam cheias de animais disputando um espaço na sombra. Uma multidão de pessoas aglomeradas dentro e ao redor do velho mercado discutia negócios, batia papo, encontrava-se com os compadres e muita conversa rolava num vai e vem frenético que se prolongava até o meio dia, quando, pouco a pouco as pessoas se dispersavam, deixando imensa sujeira espalhada pelas ruas que lentamente retomavam o silêncio e a normalidade do cotidiano.

Contudo, não raro, era se encontrar no final da tarde algum retardatário, “melado”, cuspindo no pé do balcão de uma bodega qualquer, conversando só ou capotado nas calçadas do mercado ou então aquele valentão que depois de gastar o que apurou com a venda de umas arrobinhas de algodão, uns couros de bode ou mesmo de tejo tomando umas cachaças “Cipó do Velho”, “Beijo de Moça” ou “Já Começa”, andou puxando faca e teve que esperar pelo domingo, literalmente guardado no “litro”, mas, no litro da cadeia do pé do alto do cemitério.

Já pensou, o sujeito acordar com a chamada da missa na Igrejinha, às cinco e meia da manhã, em pleno domingo, liso sem um só tostão no bolso, com fome e sede, numa ressaca física e moral de lascar, levar um baita “carão” do delegado e ainda ter de caminhar umas três léguas de volta pra casa a pé, sem nada levar, apenas a chinela de cabresto quebrado na mão, e, pra completar, levar umas varadas da mulher pra curar a ressaca na presença da filharada. Peeega peste!!!

Formatação: AS

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