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sexta-feira, 29 de maio de 2009

AFAILCA CRÔNICAS - 05

Data: 29/05/2009
Nome: JOSÉ AIRTON PEREIRA SOARES
E-mail: airton.soares.as@gmail.com
Assunto: "Respeitem ao menos os meus cabelos brancos.."


Sex 29 05 09 - 2320

PAPO - CABEÇA


Por João Tomaz Lourenço Martins
.... . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . .. . . . . . . .Fort. 26 nov 03.

Aos quase cinqüenta anos de vida, eis que te apresentas ralo, porém, exageradamente comprido. Tão longo que como recriminando-nos, os mais próximos exclamam: - Revivendo os velhos tempos, hein? Logo eu, que te usei curto desde após o iê-iê-iê? Inconscientemente, agora adoto-te extenso. E acho que para uma despedida. Sim. Uso-te vasto para te provar pela derradeira vez, bem como para te dizer obrigado pela convivência. Foi muito bom tê-lo comigo nestas cinco décadas. Indago-te, no entanto, por que somes? Inobstante longo, por que tão ralo agora? Não te vás! Fica mais um pouco! Se porventura não te tratei tão bem como merecias, desculpa-me. Quis sempre te fazer o melhor.

Quando vivíamos no Ipu, penso, nada tiveste a reclamar. Te sujava, é fato. Te penteava com aquele pente Flamengo meio desdentado e às vezes não tão limpo, é verdade. Contudo, te lavava com sabão-de-côco todo santo dia. Ah, vida fácil e descomplicada aquela ... era sabão-de-côco para o corpo, para ti e, se bobear, para a alma . Depois inventaram o xampu. Como que pouco, chegou o condicionador. Como que trabalhoso, veio o dois-em-um, e já tem até um tal de três-em-um, que lava, amacia e dar brilho. A tua vida, todavia, não era só flores. Quando estavas a merecer, mamãe te condenava ao patíbulo do barbeiro. Como ficavas engraçadinho ao sair do cadeirão do Mestre Chagas... Insisto! Por que me deixas? Será por saudade que me deixas? Saudade das águas fortes quando nos banhávamos no Gangão? Ou saudade de quando contemplávamos juntos os pingos hipnóticos despencados da Bica de Iracema?. Saudade dos banhos de chuva quando nos lavávamos nas águas cheirosas dos jacarés da Igrejinha? Como ficávamos regenerados depois dessas sessões de assepsia corpórea e mental.

Agora que te enfadas de mim, te curto pela última vez... Falta-me, todavia, pedir-te uma desculpa final. Perdoa-me por te empanturrar de brilhantina Glostora comprada à granel na bodega do Seu Afonso. Sabia eu que te sacrificavas para que as meninas nos admirassem. E tu, resignadamente, aceitavas a patameira desordenada feita por aquelas mãos trêmulas e sedentas de um adolescente à procura de um afago.

Hoje, sem mágoas, despedes-te de mim. Nada a reclamar. Entendo-te. Outrora fortes, cheios e rebeldes. Hoje esbranquiçados, mansos e cansados, como que dando também um adeus para tua existência... É a marcha inexorável do tempo... Como gostava de dizer meu saudoso pai que tu tão bem conheceste..
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Fonte: site da AFAI / Artigos / Crônicas (pág. 15, data de acesso -29/05/09

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